30 de set. de 2012

É que tá tenso aqui embaixo



                A semana tinha sido quente, quente como inferno só que sem as mulheres promíscuas e o álcool grátis. O final de semana foi frio, tão frio quanto a primeira namorada.
                A coisa foi séria.
                O corpo dele pedia ajuda, a boca latejava, parecia um trabalho impossível para os olhos se manterem abertos e funcionando, os joelhos rangiam e o machucado da mão demorava mais que o normal para cicatrizar.
                Como se tudo isso não fosse o bastante, a vodka subiu de preço, as mulheres não olhavam para ele, a cerveja nunca estava na temperatura ideal e sua voz andava rouca. Em casa o gás acabou, o chuveiro queimou e a maquina de lavar pegou fogo levando junto suas melhores camisas.
                Tudo aquilo apertou o coração, mas de sua boca só se ouviu uma frase. Uma única oração naquele domingo de vento gelado, solitário, naquela pequena grande quitinete: Deus! O senhor está por aí? Aqui sou eu Felipe Eduardo...
                E foi a ultima vez que se sentiu desesperado o bastante para acreditar que tal coisa funcionaria.   

29 de set. de 2012

(In)Sônia



                Ele custa abrir os olhos, ela insiste em perguntar coisas aleatórias e falar do dia dela. Ele quer virar pro lado e dormir, se embalar ouvindo os carros que passam na avenida e acordar doze horas ou anos depois.
                Ela quer conversar. Falar da relação com a mãe, da melhor amiga, do vestido novo e da cirurgia que tá marcada pra semana que vem, ele só quer dormir.
                Ela fala incessante e ele sente as pálpebras cada vez mais pesadas, a voz dela vai tomando conta do ambiente e aos poucos é o único som que ele ouve. Como um mosquito que voa no quarto silencioso a procura de sangue. Aquele timbre em ondas vai entrando, o sotaque destaca e a vontade de bater no som, virar pro lado e dormir se torna praticamente incontrolável.
                Tão incontrolável que se manifesta. Espasmos.
                Ela dá um selinho na boca dele, vira pro lado dizendo boa noite e dorme rápido e ele fica com os olhos vidrados no teto procurando o sono que acabou de perder.

28 de set. de 2012

Nem desconfia



                A gente faz tanta coisa. Fazemos hora na fila do meio dia, alguns almoçam outros se coçam, antigamente as crianças tomavam, até, banho de bacia.                 A gente saía e sentava na porta, conversava com o vizinho e dizia bom dia. Nos finais de semana, na calçada, a gente lavava a roupa suja e bebia chimarrão olhando as crianças correndo na rua.
                Tinha arvores e grama, nem sempre estavam verdes e às vezes floriam.
                A gente esperava que chegassem do serviço com suas botinas enlameadas e o cheiro de cigarro e café, a garrafa de água embaixo de um dos braços e a jaqueta cinza no outro. Aí a gente esperava até que tomassem banho e jantassem pra poder conversar, e rir, e tocar violão.
                Falávamos da Fia que amava o João, do Carlos casado com a Maria e da viúva Marlene com seus filhos, aí nos despedíamos e íamos dormir enrolado na colcha de retalho esperando o outro dia.
                E outro dia vinha, as coisas iam mudando e a gente nem desconfiava.

27 de set. de 2012

Sem calor



                Certa vez em Goiás conheci um rapaz. Ele tinha cabelos castanhos que fugiam por debaixo do seu chapéu de cowboy, dentes amarelados e a boca sempre aberta deixava escapar o hálito de cachaça bebida. A pele queimada do sol, já não era mais branca. Os olhos não ficavam tão abertos e o branco, assim como na pele, dava lugar ao vermelho.
                E ele falava de cavalos, vacas e cabras. Ele falava de mulheres, pescarias e cervejas enquanto tufos de cabelo castanho tentavam escapar por debaixo do chapéu. Enquanto a saliva voava alcoólica alguns passos à frente, ele cantava modas antigas e tocava um desafinado violão.
                As pessoas nos bares, nas ruas e nas chácaras não davam atenção. As nuvens com seus cães, dragões e cartolas, não davam atenção.
                Seu chapéu de cowboy caiu enquanto saia, e as lagrimas caiam quando ele dizia que tinha mulher e filha.
                O mundo não foi cruel.
                Ele dizia, colocando o chapéu, que as pessoas foram e ele acabou por perder o que não devia.
                E o rapaz falava de cavalos e mulheres, pescarias e vacas, cervejas e cabras, churrascos e amizades enquanto mechas de cabelo fugiam por debaixo do chapéu de cowboy e lágrimas salgadas escorriam até a boca com dentes amarelos e cheiro de cachaça bebida.

26 de set. de 2012

21



                Sabe aquelas situações engraçadas?
                Ele levantou e ligou o rádio, tocava na hora a “Ride of the Valkyries” ele tinha que limpar a casa.
                Acabou a situação engraçada.
                Terminou de limpar a casa, serviu uma dose de uísque colocou um Lp do Nelson Gonçalves pra tocar e foi ler. Limpou os óculos de leitura, escolheu algo novo da prateleira e sentou no sofá.
                Leu quatro capítulos, sem parar, e foi interrompido por telefonemas e visitas, pessoas, presentes.
                Com um sorriso sem graça disse obrigado, se despediu alguma hora das pessoas, desligou também o telefone e aí voltou ao livro. Mais ligações, mais visitas e brincadeiras sem graça e sorrisos verdadeiros e o lado B do disco, uma cerveja gelada, bolo e mais gente.
                A noite chegou com pizza e visitas, vinho italiano e mais bolo.
                Era pra ser um dia solitário e acabou sendo um dia feliz.