23 de jun. de 2012

Pra você

                É sábado a noite, eu fecho o livro. “Under their thumbs”. É um bom livro, só que hoje não estou pra leitura.
                Ligo a TV, nada demais. O finado Michael e seus irmãos cantam “Who’s loving you” no trecho de um filme, e é o bastante. Cá estou, com uma nova marca de cerveja, embalagens de comida, a mesma velha bermuda vermelha “pra combinar com os olhos” - é o que eu diria se você me visse com ela – e a cabeça longe, pra variar.
                Palomita se enrosca e procura abrigo em meu colo, talvez seja o frio.
                A luz do corredor acesa, meu cigarro que pisca como vagalume iluminando um pouco o rosto e a pagina em branco. Já foi mais fácil escrever.
                Já foi mais fácil pensar em você.
                O corpo pede um novo carinho. A cabeça pede um novo amor e eu peço você. Sem fritas e com o dobro de tempo, por favor.
                Mas a cerveja está fria, a noite gelada e o coração frígido.
                Mesmo que nossa historia tenha durado o tempo de um recreio, e, mesmo que não sejamos mais crianças eu te daria fácil todos os meus biscoitos.
                Isso é o que eu queria te falar essa noite.  


 Espero que leia.



17 de jun. de 2012

(I)Mutável

                De repente escrever sobre o que sente se tornou algo tão medíocre.

Terça

                Então eles estavam lá. Lá naquele morro em Tiradentes, perto da rodoviária, onde tem uma igrejinha e uma arvore grande. Deitados na grama olhando o céu vermelho claro daquela noite fria, onde a neblina quase alcançava as ruas da pacata cidade.
                - Entre correr pelado nesse frio e um banho de cachoeira... Vai!
                Ele pensava. Não pensava na resposta. Pensava no que ia fazer, pensava que ela sentiria frio até o amanhecer e se não fossem quatorze quilômetros, voltar a pé seria uma boa. O amigo insistiu:
                - Você enrola demais...
                E ele olhando fixamente o céu:
                - Cachoeira.
                - Tá, você preferia a Bibi Jones de quatro ou a Alexis Texas cavalgando... Vai!
                Ele preferia a noite, fria daquele jeito e cheia de demônios e fantasmas. Daquele mesmo jeito. E o amigo reclamava:
                - Agora não adianta mais, elas voltaram do banheiro.
                Ela deitou ao lado dele. Não foi bem ao lado, deitou no peito dele e ele a cobriu com sua jaqueta e se manteve apenas com a fina camisa xadrez de flanela.
                E ele olhava o céu e agradecia as poucas estrelas que via por ela estar ali, no seu peito.

14 de jun. de 2012

Capitães da areia


"Foi quando Volta Seca deixou o cavalo onde montara Lampião e veio para eles:
– Quer ver uma coisa bonita?
Todos queriam. O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saía do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso talvez que Yemanjá tivesse vindo também ouvir a música e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saía do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parara. E era uma unidade valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade."

Jorge Amado

12 de jun. de 2012

Juiz de Fora - Ubêrlandia 20:30

                - Eita!
                Gritou o velho senhor, que estava próximo a pia, de cabelos brancos que batiam nos ombros e uma camisa branca listrada com os três primeiros botões abertos que deixava a mostra sua cruz na corrente de ouro e alguns tufos de pêlo de peito. Ele balançando o braço para cima e para baixo de um jeito que chamava a atenção para os seus anéis brilhantes e a corrente de prata no pulso, continuou:
                - Tá entre as melhor coisa da vida.
                Eu achando estranha toda aquela conversa à Duchamp em plena madrugada, sentindo o frio de Araxá e a dor nos joelhos, que só uma longa viajem de Gontijo pode proporcionar, me rendi a curiosidade e lancei um:
                - Como é?!
                E prontamente aquela figura caricata respondeu:
                - É uai; mijá peidano, cagá mijano e trepá beijano. As três melhor coisa da vida.
                Seguiu fechando o zíper e escarrando no mictório, para encerrar o ritual noturno. Virou as costas e saiu mostrando os dentes amarelados do cigarro porta a fora enquanto eu me livrava do restoio de urina e pensava olhando para baixo:
                “Taí um bom ponto, senhor”

2 de jun. de 2012

José

E agora José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora José?
E agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora José?

E agora José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão,
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
                                                               (Drummond)

That's life

"I find that, lately, even lying to myself comes easily."





Alfie.

1 de jun. de 2012

E quando o carnaval chegar?

                - Claudio Eliseu, você acha que eu tô gorda?
                - Claro que não Arlete, que besteira!
                - Você sempre diz isso, simplesmente não dá pra acreditar.
                - Agora vai brigar porque eu não te acho gorda...
                - Você é um estúpido sabia?
                - Tá menstruada?
                - Podre! É isso que você é tá bom?! Não sabe que só vem no inicio do mês?
...
                E como era de se esperar, naquela terça ensolarada de clima frio o namoro acabou.
                Ele saiu achando ser o culpado, ela ficou concordando. Mas o mundo é meio cheio. Cheio de pessoas, cheio de fatos, voltas e ele conheceu outras pessoas. Teve novos relacionamentos e como podiamos imaginar, novas namoradas.
                - Mas aqui... Você me acha gorda, Claudio Eliseu?
                - Claro que não Lúcia, que bobeira!
...