29 de out. de 2012

Tempos de muleque



                Acho que sinto um pouco de falta das mulheres da década de 90. Apesar de ter um amigo em Goiás que afirma com ar de certeza que: Os anos 90 produziram poucas pessoas legais.
                Concordo em partes.
                Eu tinha um irmão mais velho. Não, ele não morreu. Ele tinha essa mania irritante de estar por dentro de tudo, mesmo não gostando. Suas amigas e amigos viviam lá dentro de casa e eu convivia bastante com eles.
                Me lembro de reparar nas garotas.
                Não, eu não tive a fase “Garotas? Eco!” apesar de familiares acharem que sim.
                O que tinha demais nessas garotas? Sinceramente não sei responder. Talvez seja o olhar, essa mistura meio desleixada de roupas e uma atitude meio apática de mulher cansada, cansada de esperar o pedido de casamento do Ferris Bueller em uma tarde livre, ou cansada de não ver pela janela um nobre rapaz segurando o aparelho de som sobre a cabeça, enquanto toca aquela música especial.  
E claro a expressão : Te quero com limão.

                Existe algo especial e diferente nela. Uma espera fatigada.
                Eu gostava disso.
                É uma evolução deliciosa das mulheres que cresceram nos anos 80. Algo mais farto, do tipo “Chega! Cansei dessa merda, daqui a pouco tô dando o fora daqui.” Ou não.

23 de out. de 2012

Pipa



                Ela acendeu um cigarro, se olharam nos olhos e sorriram sem graça. Ela olhou pra frente, apoiada na varanda. Ele olhou para baixo, pro violão que se apoiava nas pernas cruzadas. Falaram sobre a cidade, o Brasil, clima, teatro, cinema, literatura. Ela saiu rápida dizendo querer um café: “É para acordar!” dizia com seu sotaque estrangeiro carregado, ele se apoiou nos acordes, céu azul claro e a brisa leve que batia no segundo andar.
                Se encontrariam de novo no ônibus.
                Depois no teatro, ele iria convidá-la para comer e aí almoçariam juntos num lugar simples que mais parecia uma padaria, mas passariam todo o dia acompanhados um do outro sem que percebessem. No jantar sentariam em mesas próximas, ela de costas pra ele, ele com colegas estafantes.
                Nos bares a noite, se esbarrariam e iriam rir e falar sobre cachaça e cerveja, trocariam mais olhares e algum carinho discreto até o beijo, que levaria ao sexo e que o deixaria bobo.
                Exatamente da mesma maneira que está agora, sentado ali na varanda do segundo andar, com o cabelo pra traz molhado ainda do banho, de chinelas e pernas cruzadas, tocando acordes soltos enquanto ela toma um café na recepção do hotel, dizendo bom dia entre um sorriso e um gole aos hospedes educados que passam rumo à porta.

14 de out. de 2012

Casal



                Naquele dia tomei dois banhos.
                No segundo abri um novo sabonete.
                Acariciei minha tatuagem do peito e lavei a do braço.
               
                Tomei uma dose no almoço e a outra no lanche da tarde, junto com café.
               
                Terminei um livro e escolhi outro da estante.
                Ouvi o lado B daquele disco do cartola e o lado A do disco do Wando.
               
                Peguei o telefone pra ligar pra alguém e errei os últimos dois dígitos.
               
                Melhor assim.
               
                Liguei o computador e assisti alguns minutos de um filme.
                Cortei duas rodelas de salame fritei e coloquei entre fatias de pão.
                Os Beatles me diziam: “You’re going to lose that girl.”
               
                De fato. E ela não seria a primeira.

12 de out. de 2012

Água'rdente



                Ele chegou, sentou em um banco no balcão. Afrouxou a gravata e pediu uma cerveja. Duas goladas no copo, já suado, e sentiu que precisaria de algo mais forte, algo mais ácido, algo mais parecido com uma mulher.
                “Me vê duas doses de cachaça também!”
                O mundo sabe que o uísque é o cão engarrafado, é o melhor amigo. A cachaça é diferente, ela te faz perder a cabeça, te deixa de quatro. Apaixonado. Babando e querendo mais. A cachaça é uma mulher, não qualquer mulher. É aquela que te pega de jeito, suga sua alma, seu sêmem e a sua dignidade.
                Que quando vai embora deixa um rombo na sua carteira quase tão grande quanto o da sua moral.
                E você fica ali com dor de cabeça, estomago reclamando, a visão embaçada e as pernas bambas. Ferrado. O que não é lá muito diferente de estar apaixonado.
                Pediu outra cerveja.
                Olhou pro lado. Ela sorriu com os olhos, ele pediu mais uma dose. Ela acariciava o copo com a boca esperando uma oportunidade e ele queria amnésia liquida.
                A noite vermelha de vento fresco abafado passou rápida e pra ele, só restou o outro dia, um atraso no escritório, uma calcinha embaixo do travesseiro e um bilhetinho que trazia logo após o número, um singelo:            “Me liga!”